Obesidade: fácil diagnóstico, difícil tratamento e novos rumos

Argumentos constantes da Palestra sobre Obesidade ministrada pelo Dr. Denis Ferrari

Introdução

Quem é, parece que sabe o que é. Quem é obeso parece que sabe o que é obesidade. Obeso é o humano que sabe, melhor que todos os demais, de verdade e não apenas na aparência, cuidar da obesidade. A sua e a de todos. A individual e a plural. A particular e a coletiva. Empunhando-a, ostentando-a, evidenciando-a, tornando-a cada dia mais exuberante, utilizando-se dela talentosa e virtuosamente, para as mais diferentes finalidades.

O que os obesos, de modo geral e porque mal informados, ainda não sabem sobre a obesidade, é que ela é uma doença. E este fato confere dramaticidade aos casos de obesidade. Porque a única postura humana plausível quando diante uma circunstância dominada por uma doença real e concreta é a busca de auxílio médico, a realização de um diagnóstico correto e o subsequente tratamento oficial, sério e responsável.

Tal postura, já bastante assumida por médicos e pacientes relativamente a um numero enorme de doenças, ainda não foi devidamente desenhada, formatada e colocada a disposição de todos, a ponto de ser imediata e precocemente, resoluta e decididamente, assumida pelos obesos. E até mesmo pelos médicos.

Os obesos, na atualidade, constituem uma população que segundo parecer da Organização Mundial de Saúde, nacionalizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), fazem da obesidade “um dos dez principais problemas de saúde pública do mundo… que vem crescendo em ritmo alarmante no Brasil”.

Sobre isso, assim se expressou o Conselheiro do CFM, Dr. Desiré Carlos Callegari: “Esses números dão ao fenômeno uma silhueta de epidemia. Se o ritmo atual se mantiver no Brasil, em dez anos o percentual de pessoas obesas representará cerca de 30% da população. Idêntico aos Estados Unidos. Campeão mundial do problema.”

Os médicos, por outro lado, constituem uma população cuja missão, incontestável e compulsória na atualidade, será diagnosticar a obesidade independentemente da especialidade médica que exerce.

Obesidade: Realidade conhecida por todos. Menos por um.

Nunca, antes, falou-se tanto sobre a obesidade. Nunca o número de obesos do planeta foi tão grande. Associando-se o falatório sobre obesidade à sua presença no mundo e ao ritmo de desenvolvimento visto e previsto, conclui-se: quanto mais se falou e se fala sobre obesidade, quanto mais apareceu e aparece de obesidade no mundo e quanto mais se calcula sobre a obesidade, menos cada obeso enxergou a si mesmo como doente; menos cada obeso conseguiu controlar e curar a sua doença-obesidade e menos cada obeso contribuiu para dominar e estancar a epidemia de obesidade.

Pelo que nos está sendo dado a observar simplesmente andando pelas alamedas, vielas, supermercados, restaurantes, lanchonetes, bares e lares do cotidiano, a obesidade frequenta mesas hoje fartas, em torno das quais sentam-se brasileiros até ontem pobres e famintos, que conversam sobre ela enquanto empurram goela abaixo mais um arroz e feijão, mais uma farinha, mais um salgadinho, uma macarronada, um bolo, um sorvete, uma dieta, uma promessa de segunda-feira magra, remédios, academias, panaceas, doenças, mortes… e mais falatórios. Atitude responsável e tratamento sério para uma doença que mata, todavia, não é o que se vê com constância.

Raramente um obeso volta-se para si mesmo, de modo honesto e verdadeiramente espantado, para enxergar-se obeso e doente. Doente de uma doença que ele, o obeso, se encarregou de manter em processo de agravamento progressivo. Doença profunda. Doença de todos os órgãos e sistemas corporais. Doença que constrói doenças, até o câncer. Doença que inclusive constrói explicações e justificativas próprias para sua existência, insistência e persistência. Doença que traz o morrer para mais dentro do viver. Doença que cada e todos os obesos cuidam de manter no mundo na justa e exata medida em que cada obeso singular cuida e todos os obesos juntos cuidam… de ser: de ser o obeso que é; de ser os obesos que são.

Que coisa é essa, a obesidade?

A obesidade que todos conhecem e sobre a qual todos falam é uma entidade. Trata-se de uma coisa, de um tema ou de assunto. Com um detalhe: ente, coisa, tema ou assunto já banalizado.

Essa obesidade que se conhece e sobre a qual todos falam, não é uma obesidade experimentada sensivelmente no corpo, vivida doloridamente na mente e sofrida ardentemente na alma. A obesidade que se apresenta e com a qual todos lidam distraidamente no cotidiano é uma obesidade externa. É uma entidade mundana, em meio a um incontável numero delas, que se avizinha de todos, que chega até às mãos de alguns, mas que permanece muito próxima e muito distante de cada um e de todos ao mesmo tempo. Inclusive dos próprios obesos.

A obesidade que adquire aparências em nosso cotidiano, que ganha presença nas realidades, que se mantém constante de nosso cotidiano, que se fixa no nosso mundo, que se pereniza em nossa civilização e que se eterniza entre os mortais, é uma obesidade supra-sensível, metafísica, intelectual, conceitual, racional e genérica. É a obesidade de todos e de ninguém ao mesmo tempo. É uma obesidade construída pelos homens mediante intelecto, a razão e as ciências.

Tal obesidade, sobre a qual todos falam, sobre a qual se calcula, com a qual se faz estatística, que se transforma em tema rentável para matérias da mídia, que vira assunto de conversas até em festinha infantil, que já enriqueceu e matou muita gente e que ainda tem um potencial para render muito mais dinheiro e provocar muitas mortes, não cutuca, não incomoda e não espanta mais ninguém.

Inofensiva, tal obesidade mora num mundo comum e compartilhado por todos os mortais. Habita a mente de todos. E com frequência se desprende da boca de qualquer um para permanecer despudoradamente exposta pelo tempo que dura enquanto assunto ou tema de conversa no espaço entre pessoas.

Tal qual tornozelos medievais de donzelas virginais, que deixaram de excitar há muitos séculos, essa obesidade banalizada não faz sequer cócegas nos próprios obesos. Não faz com que o olhar e a atenção do obeso seja lançado em direção a si mesmo, para reconhecer-se obeso-doente. Não faz com que o obeso seja tocado pelas suas próprias condições de obeso e de doente.

Ao contrário, essa obesidade intelectualizada, racionalizada, conhecida, entificada, coisificada, objetificada, banalizada, falada, divulgada, perenizada e eternizada por todos, inclusive pelos obesos, captura cada e todos os humanos, obesos ou não, de modo a projetá-los, lançá-los e aprisioná-los onde ela se encontra, a saber: num mundo plural, comum e compartilhado por todos os mortais. Mundo no qual os obesos existem, juntamente com os não obesos, distanciados de suas obesidades reais, concretas, singulares, individuais, pessoais, particulares, peculiares e próprias. Mundo no qual os obesos mostram a verdade que são: existentes humanos obesos/doentes. Mundo no qual os obesos não enxergam a verdade que são: existentes humanos obesos/doentes. Mundo no qual os humanos, todos e sobretudo os humanos obesos, transportam a obesidade do passado para o futuro, do conceito para a realidade, do intelecto para a vida, do oculto para o visível.

Uma vez lançado , nesse mundo, compartilhando tudo o que há nele com todos os demais humanos, inclusive a obesidade, cada obeso existe distanciado, alienado e perdido de si mesmo. Mergulhado e dissolvido nesse mundo, o obeso não enxerga sua obesidade própria, do mesmo modo que o peixe não se enxerga diferenciado da água em que vive. Quando muito, apenas vê e interpreta a sua obesidade indiferenciadamente, como sendo apenas mais uma coisa que adquire, carrega e acumula, entre uma infinidade de outras coisas.

Dissolvidos nesse mundo, junto com os demais humanos, os obesos manipulam, controlam, calculam, falam sobre e usam a obesidade. Enfim, lidam com essa coisa, a obesidade, familiarizadamente, inadvertidamente, distraidamente, displicentemente, como todos os demais humanos, como qualquer humano, como “todo mundo”, como “a gente”.

Como existentes humanos medíocres do cotidiano, todos os homens, obesos ou não, lidam com uma obesidade conhecida, racionalizada, conceitual. Logo, com uma obesidade pressuposta, preconceituosa e predeterminada. Lidam com essa entidade, com essa coisa ou objeto, através de modos genérico, afetivo, artístico, anedótico, jocoso, bizarro, agressivo… e sobretudo, úteis e rentáveis. Sempre, todavia, como algo que ele, o obeso, está simplesmente vestindo passageira e temporariamente. Sempre, todavia, como uma coisa que ele possui, uma espécie de capa ou manto, que poderá dispensar quando quiser.

Essa coisa, a obesidade, só se torna alarmante e contundente, só espanta e muda de feição, quando passa a ocupar lugar de destaque na existência da pessoa obesa, quando ela deixa de passar desapercebida, quando ela passa a ser percebida no indivíduo e pelo indivíduo, quando ela passa a ser sentida pelo indivíduo ou, simplesmente, quando ela deixa de ser a coisa que é no mundo e na vida de todos, para ser de um, ou para ser desta pessoa. Coisa que, parece ser fácil de acontecer. Coisa, no entanto, difícil, muito difícil de acontecer. Haja vista a imensidão de obesos que não se consideram obesos, que não se consideram doentes e que levam a vida rindo do próprio infortúnio, embora sangrando porque sentados sobre o fio de uma navalha.

Gordo X Obeso

Todos nós sabemos. Não dá mais para tapar o sol com a peneira. Se não todos, a maioria dos obesos, embora saibam o que seja obesidade, não se consideram doentes. Nem obesos. Porém, em algum momento da vida fizeram de conta que tomaram alguma atitude para saírem da condição de obesos. E permaneceram obesos. Até mais obesos. Tais atitudes foram, por conseguinte, ilusórias e inúteis, espalhafatosas e ruidosas, estrambóticas e estapafúrdias, dramáticas, bizarras etc… Logo, atitudes que tiveram serventia, finalidade ou utilidade para outras coisas. Menos livrar o obeso de sua doença.

Quase nenhum obeso deixou de seguir alguma sugestão para emagrecer fornecida gratuitamente por um parente, amigo ou mero conhecido. Quase nenhum obeso deixou de ler uma matéria, de comprar um livro ou folhear uma revista, versando sobre a dieta da moda. Quase nenhum obeso absteve-se de tentar, pelo menos uma vez, tomar um chá, ingerir um remédio ou efetivar uma matrícula numa academia. Quase todos os obesos, relativamente ao recheio de seus bolsos, já consultaram-se com o primeiro, o segundo, o terceiro… e o próximo médico. Nenhum obeso deixou de aparentemente sentir-se culpado pela sua obesidade.

Assim, quase todos os obesos permaneceram estancados dentro de suas obesidades e de suas culpas aparentes. Nessa morada, aparentemente seguros e protegidos, os obesos existiram e existem como que em globos da morte de circos, realizando proezas calculadas e gestos estereotipados, para dar volteios pela vida mediante atos bem treinados. Procedendo dessa forma, como que acalmam suas iras, minimizam suas frustrações, atenuam suas culpas e ainda conseguem o mínimo de ação para sentirem-se vivos e gerarem o calor necessário para não deixarem congelar totalmente a auto-estima ou o amor próprio.

Em palavras honestas, sinceras, fortes porém ternas: grande parte dos obesos, quase todos, não deu a importância devida à verdade que é, tanto a nível individual quanto em plano plural (familiar, social e planetário). Humanos obesos e não obesos ainda não atingiram uma inteligibilidade da obesidade enquanto uma realidade, ou seja: enquanto uma complexidade. Dormindo, sonhando ou devaneando, as pessoas ainda referem-se à obesidade como se fosse uma coisa simples, facilmente redutível a uma questão apenas e tão somente de excesso de peso corporal.

Não conheci, até hoje, um obeso que não se julgasse capaz de perder — e com facilidade — o peso em excesso. Motivo pelo qual moraram e ainda moram, na ideia de que podem, quando quiserem — na próxima segunda-feira, na próxima semana, no próximo mês ou no próximo ano — emagrecer.

Excepcionalmente um obeso considerou, com a seriedade necessária, o fato de ser obeso, de ser doente, de estar agravando sua doença e de estar com a sua vida em risco. Apenas alguns, poucos, obesos ou não, entenderam que a redução de peso seria apenas um aspecto do tratamento de sua doença. Ou deveria ser apenas uma parte dos interesses de uma pessoaobesadoente. Poucos conceberam o emagrecimento como consequência de uma série conjunta de interesses, gestos e atitudes.

Obesos já experimentaram frustrações de vários níveis. Sentiram-se impotentes ao não saírem vencedores dos duelos que travaram contra suas obesidades próprias. Incapazes de emagrecer, nada mais restou a um batalhão de obesos do que conquistarem explicações e justificativas para seus fracassos. Desta forma, gradativamente colocados um passo adiante de suas doenças, mais não conseguiram do que um repertório de discursos aplacatórios, com os quais tentam amenizar suas frustrações e transformarem-se em vítimas inocentes de suas próprias derrotas.

O futuro de um obeso que deixa a vida correr solta, sem considerar-se obeso, sem enxergar-se obeso, sem vislumbrar-se obeso, sem entender-se doente e sem conseguir sair da sua condição mórbida ou doentia de obeso, é manter-se obeso, é vir a ser obeso… ainda mais obeso.

Assim como o missionário é, dos humanos, aquele que tem maiores chances de ser comido pelos canibais, os obesos são, dos humanos, aqueles que tem a maior chance de serem corroídos pela obesidade e mortos pelas doenças dela decorrentes.

Obeso de hoje… obeso de amanhã

Obeso que é obeso, desses que sempre foram obesos, vislumbra-se obeso no porvir. Daí, o fato dele não poder deixar de ser obeso. Daí o fato dele, em algumas circunstâncias, até tentar deixar de ser obeso. Mas, como se costuma dizer, de correr para não chegar. De tentar, às vezes várias vezes, sair da condição de obeso. Mas, jamais sair verdadeira e efetivamente de sua condição mórbida de obeso.

E isto é inteligível. Afinal, a imagem que ele tem dele mesmo gravada em seu cérebro, ou seja, a imagem corporal que ele tem dele mesmo inscrita em sua mente, e que é exatamente tudo o que ele tem de propriamente seu para projetar para o futuro, não pode ser diferente, não pode ser outra, que não a de humano obeso. Posto que foi obeso. Posto que é obeso.

O humano que se encerra numa imagem obesa de si mesmo não tem como antever-se não obeso, esbelto ou emagrecido. Pois, ele não encontra dentro de si, na sua intimidade mais profunda, quase que ao lado de sua alma, um referencial, uma base, um apoio ou um fundamento, que lhe permita simplesmente imaginar vir a ser magro no porvir. Tal obeso não tem como aspirar vir a ser o esbelto ou o magro que jamais foi.

E se o obeso de hoje foi o magro de ontem, dificilmente conseguirá o resgate de sua condição corporal anterior. Daí, de outro modo, o fato dele não poder deixar de ser obeso. Daí, igualmente, o fato dele até tentar deixar de ser obeso. E, também por aqui, a repetição do que conhecemos. Varias tentativas infrutíferas de abandono da condição de obeso. Várias frustrações.

E isto também é inteligível. Pois, o que o obeso atual — esbelto ou magro de ontem — constantemente enxerga no porvir, como resultante da projeção em sua retina da imagem corporal gravada em seu cérebro e inscrita em sua mente, é a silhueta esbelta e magra do passado. Desta forma, a despeito do espelho lhe oferecer uma imagem real, atual e obesa de si mesmo, seu cérebro refuta a imagem refletida. Enquanto sua mente nega a realidade escancarada à sua frente. Desta forma, o que lhe resta é apenas e tão somente perpetuar a autoimagem de uma condição corporal não obesa pretérita, embora irreal atual.

Assim, seja relativamente ao passado, ao presente ou ao futuro, ao obeso não é franqueada uma imagem futurizada de magreza. Daí, que sem meta a ser vislumbrada por um olhar, ao obeso resta admitir o atributo que carrega aderido a si mesmo, que transporta dissolvido em seu espírito e que o transcende juntamente com sua alma, desde um passado indizível, inefável e imutável, para um futuro imponderável e imprevisível.

Convém considerar que tal atributo, a saber, a obesidade, só era outorgado até um passado relativamente recente ao indivíduo que superava a condição de gordo. Acontecia, por conseguinte, uma distinção entre gordos(as) e obesos(as). Com um detalhe: tal distinção acontecia na esfera intelectual e racional, cognitiva e conceitual, da vida.

Enfim, em jogo estava apenas uma questão de variação quantitativa de um conceito. Quando muito, a variação quantitativa de um atributo individual ou de um predicado pessoal. Jamais uma questão de avaliação da qualidade de existência que se estava experimentando enquanto obeso e doente. Jamais, dito de modo mais atual, uma questão de avaliação e busca de melhorias na qualidade da vida real de um existente humano.

Atualmente, as idéias e discursos, teorias e conceitos, passaram por uma revisão. E foram alterados em função daquilo que as observações da realidade, estudos das teorias e revisões dos conceitos demonstraram. Pois, gordos e obesos — com toda vasta sinonímia — passaram para uma única categoria, a saber: obesosdoentes

Concluindo provisionalmente; na vida sensível, na esfera da existência real e concreta que experimentamos no cotidiano, em primeiro lugar, gordo e obeso são pessoas mesmas. Em segundo lugar, uma vez obeso, doente. Em terceiro lugar, como doente, necessitado de tratamento medico. E como um sol, brilhando para todos, o anseio pela energia necessária para a melhoria da qualidade de vida de todos.

Descobrir-se obeso

Até o presente momento, chega-se ao reconhecimento técnico da obesidade, isto é, ao diagnóstico da doença-obesidade, mediante o uso do Índice de Quetelet ou, como é mais divulgado e conhecido, o IMC – Índice de Massa Corpórea. Obtêm-se tal valor mediante a divisão do peso em kilogramas de um indivíduo pelo quadrado de sua altura em metros.

De acordo com o IMC, segundo a OMS – Organização Mundial de Saúde, aceita pelo CFM – Conselho Federal de Medicina e por todas as respeitáveis sociedades medicas, assim classificam-se os indivíduos relativamente à obesidade.

IMC (kg/m2) Classificação Obesidade grau
< 18,5 Magreza 0
18,5-24,9 Normal 0
18,5-24,9 Normal 0
25-29,9 Sobrepeso I
30-39,9 Obesidade II
> 40,0 Obesidade grave/mórbida III

Considerando-se a obesidade como epidemia, conforme orientação das autoridades mundiais e nacionais, todos nós, médicos ou não, temos de obrigatória e compulsoriamente, honesta e responsavelmente, identificá-la, nomeá-la ou diagnosticá-la e…tratá-la.

Em outros termos: temos de obrigatória e compulsoriamente, racional e tecnicamente, dar o primeiro passo, ou seja, diagnosticar a doença obesidade. E diagnosticar tal doença quer dizer, simplesmente: colocar o obeso diante de sua realidade. Coisa que, dita em outros termos, significa: colocar a realidade e a doença obesidade diante do obeso para que ele defina o destino que quer dar a ela.

Acontece que falar sobre obesidade, como faço em minhas palestras, ou escrever sobre os obesos, como estou tentando fazer agora, é ato relativamente fácil de realizar. Pelo menos para mim, que estou familiarizado com a questão, com o diagnóstico da doença, com a introdução de um obeso no tratamento e a introdução de tratamentos no obeso.

Difícil, confesso, é fazer-se escutar. Difícil é ser escutado. Difícil é aturar a espera. Espera do tempo necessário para que surja, no obeso, o desejo verdadeiro de dar um novo sentido, um novo rumo ou um novo destino a sua vida e à obesidade que ele vem gestando e mantendo desde um passado. Fora desse tempo, fora dessa espera, nada acontece. E adianto: tudo o que é feito antes do diagnóstico e da orientação séria e responsável de um médico, ou , em outros termos, antes  “amadurecimento da idéia de tratamento”, está fadado ao descrédito, à frustração, à derrota e ao aprofundamento da doença, com todos os seus desdobramentos nefastos.

Temos, pois, de ser fortes, corajosos e pacientes. Temos, enquanto médicos, de valer-nos da limitada e precária capacidade de comunicação entre humanos para instaurarmos a dúvida onde paira a certeza, para instituirmos a doença verdadeira onde campeia a sanidade falsa. Temos de agitar a onda onde a maré está mansa. Temos de instabilizar a vida por onde, oculta e calma, porém deletéria e traiçoeira, cursa a obesidade prefaciadora da morte.

Temos, enquanto médicos, de fazer uso da autoridade que nos foi outorgada pelos humanos, para contermos a marcha da obesidade no sentido da doentização das pessoas.

Temos, enquanto médicos e como cidadãos, de fazer com que os gastos públicos para o custeio das doenças agudas e crônicas advindas da obesidade sejam diminuídos.

Temos, enquanto médicos e superlativamente enquanto humanos, de entregar-nos à descoberta, não apenas de novos e alternativos modelos de tratamento da obesidade. Mas, de descobrirmos novas modalidades de existência e/ou novos jeitos de viver, não originadores, não produtores, não engendradores e não criadores de obesos.

Temos de, como vem sendo proposto até filosoficamente, de reinventar a vida. Temos de encontrar uma nova ética para, dela e nela existirmos de modo melhor.

Temos de entender que, ao colocar-nos diante da obesidade e ao nos determos diante dela, posicionamo—nos, mais do que diante de uma doença, à frente de uma unitária, total e complexa modalidade de existência. Modalidade de existência que, ao construir a obesidade de um humano, introjeta a morte no cotidiano desse humano, escondida porém ativa, dentro da própria obesidade criada. Modalidade de existência que precisa, portanto, ser urgente e corajosamente iluminada, destrinchada e analisada, visando a neutralização dos ingredientes, a desintegração dos meios e à pulverização das realidades que engendram ou originam a doença obesidade. E a morte que vem escondida nela.

Apenas a guiza de observação filosófica e epistemológica, dedicada aos que cobram maior profundidade no pensamento. Estou, sim, considerando a validade do cartesianismo, na justa e exata medida em que proponho a realização de um procedimento reducionista e analítico. Afinal, o que está em jogo é sentido e experimentado, enquanto doença, na esfera do indivíduo. Não, todavia, sem considerar a necessidade de uma abordagem fenomenológica, relativamente ao Fenômeno Obesidade e à modalidade de existência humana engendradora da condição de obeso de um indivíduo. E mais: considerando que a abordagem sistêmica da realidade obesidade deve ser vista com reservas e ressalvas. Uma vez que o manuseio das complexidades consideradas pelos sistêmicos — que se atêm aos elementos interatuantes das redes, ou seja, atenta apenas para os elementos sistêmicos já aparentes, já conhecidos, já nomeados, já contextualizados (com-textos), já categorizados e em graus variados de conectividade temporária — não nos permite andar de permeio aos ingredientes visíveis e ocultos — porém ativos atemporalmente — da realidade. Ingredientes obscuros e/ou misteriosos, que precisam ser desvelados e revelados para, aí sim, conseguirmos o aumento de conhecimento necessário para melhor lidarmos com as coisas. Inclusive com a coisa/doença/obesidade.

Descobrir-se obeso, assim como descobrir como acontece e do que é feita a obesidade de um certo obeso, tornou-se parte obrigatória da vida… de cada obeso e de todos os obesos. Além, como já afirmei anteriormente, parte obrigatória de uma consulta médica. Deve-se, então, equipar-se um consultório medico, de qualquer especialidade, com o tradicional estetoscópio, o aparelho de pressão, a balança com medidor de altura e uma tabela para cálculo do IMC.

É necessário, para a manutenção da vida e da existência humana sobre o planeta, trazermos os mistérios para a luminosidade do conhecimento. Faz parte da conquista do sucesso da vida humana sobre a terra, olharmos de modo diferente e novo para tudo o que for velho e novo, conhecido e desconhecido. É mister dos homens abrir brechas e novos caminhos no seio da realidade para a obtenção de novos e melhores destinos para a vida e para a existência humana. Mais do que as artérias e veias com as quais fomos agraciados para vivermos, necessitamos de novas vias alternativas para circularmos com as questões inerentes ao nosso ser: ser um existente humano. Saudável, de preferência.

Muitas das vias de que dispomos para fazer transitar nossa existência mundana já estão prontas, asfaltadas e disponíveis. Muitas destas, inclusive, apresentam sinalizações que indicam a ruína como destino final. A obesidade é uma dessas vias. A obesidade é caminho aberto para abreviar o percurso da vida em seu precursor natural o morrer de um e de todos. Afinal, não nos esqueçamos que somos mortais e que não temos como fugir desta condição.

Posicionar-se diante da obesidade descoberta

Colocar-nos diante da obesidade descoberta, em outras e mais simples palavras, significa: posicionar-nos diante de um obeso com a intenção de trazer, corajosa e ousadamente, a sua obesidade particular, peculiar e própria, como um todo, para o nível consciente.

Significa fazer com que um obeso enxergue, experimente e narre, ao extremo, até alcançar-se o máximo de inteligibilidade, a sua condição de experimentador da obesidade.

Significa trazer a obesidade de um particular obeso, como um todo e em partes, para a superfície visível da existência desse obeso, de modo a fazer com que ele passe a enxergar a verdade que ele negou-se a enxergar e narrar a vida que ele negou-se a dizer, por muito tempo, ou seja: enxergar e narrar a realidade obesidade que ele, e só ele, como verdade, foi e é, por todo o tempo que durou o seu processo de vir a ser obeso, de ser obeso e de manter-se obeso.

Assim posicionados, inclusive abre-se um campo de respeito humano para que um obeso possa optar, com a consciência e a razão que se fazem necessárias, por ir contra a corrente atual de pensamento, ao não interpretar sua obesidade como doença. Postura que também deve ser respeitada e aceita, para que esta assertiva atual (obesidade é doença) possa vir a ser contestada no futuro. Neste caso, um obeso poderá optar por não se tratar, e assim optar por responder, no futuro, pela escolha que fez num dado presente. Afinal, o livre arbítrio humano deve ser defendido antes e acima de qualquer coisa. Assim como o direito de qualquer humano ir e vir de uma coisa a outra, ou seja: da coisa obesidade para a coisa magreza ou da coisa magreza para a coisa obesidade.

Colocar-nos diante da obesidade significa, mais do que ficarmos frente a frente com um obeso, demorar-nos diante da realidade que está expondo tanto a obesidade quanto o obeso, para que nossos sentidos possam ser penetrados pelo incognoscível, até conseguirmos apreender algo novo e inusitado, sobre a obesidade, sobre o obeso e sobre nós mesmos (observadores), com uma intenção: conhecer o desconhecido, desvelar o oculto e iluminar o obscuro para sairmos da cegueira que nos impede de irmos para além da mesmice, para superar ignorância, suplantar a estagnação e transcender nossas realidades engendradoras, produtoras e criadoras de obesos.

Aqui, e mais uma vez, atesto — e atesto porque já andei, e não pouco, por esse território — que está sendo muito mais fácil palestrar sobre a obesidade, escrever sobre a obesidade e sobre como fazer com que uma pessoa encare sua obesidade, do que fazer, na pratica e na vida, que ela passe a se considerar obesa e mais: doente a ponto de colocar-se em tratamento.

Aliás, nem pretendo chegar perto de qualquer questão relativa ao tratamento da obesidade. Pois, como já dissemos, porém de outro modo linhas atrás, são raros os obesos que colocam-se verdadeiramente em regime de tratamento. Escaramuças e tentativas de instauração de tratamentos são fartas. Tratamento, serio, responsável e mantido, é o que menos se vê. São poucos, muito poucos, e todos temos vários exemplos para citar, os obesos dedicados e responsáveis que deixaram a condição de obesos, ou seja: que curaram-se da doença obesidade. Logo, que verdadeiramente trataram-se. São muitas, no entanto, as academias cujo lucro estão nas aulas que não são dadas e os aparelhos que não são utilizados pelos que pagam adiantado por aquilo que não usam nem sequer atrasados.

Enfim, em virtude do fato da obesidade ser considerada doença epidêmica pelos órgãos supremos do setor medico da realidade, entendo que torna-se mister dos médicos, ou até mais, obrigação ética dos médicos e de todos os demais humanos, fazer o diagnóstico inicial da doença.

Aqui, a coisa fica aparentemente um pouco mais viável e factível. Pois, bastaria a qualquer um, médico ou não, pesar a pessoa, tomar sua altura, fazer uma continha de multiplicação e uma de divisão, para obter o IMC. Aliás, não é necessário sequer fazer tais cálculos. Pois, existem tabelas prontas, como a que colocamos atrás, que, relacionando o peso e a altura de um indivíduo, fornecem imediatamente o IMC e o tipo obesidade.

Ato contínuo, com segurança e revestido da autoridade que a sociedade lhe outorgou, cabe ao medico, e agora exclusivamente ao médico familiarizado com a doença/obesidade, aprofundar o diagnóstico mediante um levantamento criterioso da condição de saúde da pessoa.

A seguir, comunicar à pessoa, com clareza, sem pudores e sem preconceitos, a sua condição mórbida, patológica e doentia de obeso. Não resta dúvidas quanto ao fato de que o medico deve esclarecer que, para tal doença, deverá haver um tratamento.

Obesidade, não. Obeso, sim!

Não nos esqueçamos.

Jamais existiu um e apenas um obeso desde que fomos colocados aqui, neste planeta, e desde que passamos a dar o nome de gordo ou obeso à certas  pessoas. Nem dois obesos apenas. E muito menos todos os obesos iguais. Se assim tivesse ocorrido teria havido uma e apenas uma obesidade. E tudo teria sido mais fácil. Se assim tivesse acontecido, até mesmo a medicina, com seus recursos terapêuticos limitados, já teria dado conta de todos os casos de obesidade. Coisa que, sabemos, nem esbarra na verdade.

O que acontece no chão da vida é que cada obeso é um obeso. Igual a todos os demais obesos. Diferente, ao mesmo tempo, de todos os demais obesos.

Tal constatação, aliás irrefutável, faz com que cada obesidade diagnosticada seja uma certa obesidade. Seja esta obesidade. Seja a obesidade particular, singular, individual, pessoal e peculiar deste obeso. Daí o fato de que os obesos são tantos quantos se apresentam como tal. São tantos quanto os que apresentam os mais variados arranjos de sintomas da doença obesidade, além do elevado IMC. Daí, obesidades. Jamais apenas uma obesidade.

Aliás, alguém já terá parado para perguntar-se quais seriam os sintomas da doença obesidade, além da aparência de obeso e do elevado IMC de uma pessoa?

As bochechas fartas de um recém-nascido com algo perto de quatro quilos, não seriam um sinal de obesidade? A curva de crescimento de um infante acima dos limites superiores da normalidade não seriam indicativos da necessidade de um tratamento para a obesidade infantil?

O desagrado de uma criança, de um adolescente ou até mesmo de um adulto, quando submetidos a constrangimentos devido à condição de obeso, não seria — o desagradar-se — um sintoma — até dramático — da obesidade?

Não existiria um tipo especial de bullying quando se pratica a exclusão de uma criança obesa das brincadeiras infantis?

E as dores articulares, sobretudo nos membros inferiores, nos joelhos, nos pés? A sudorese? A falta de ar ao amarrar o sapato? As micoses do sulco sub-mamário?

Qual é o nome específico do sentimento produzido no e pelo obeso (sintoma até hoje inominado) advindo da emocionalidade afetada pela discriminação sofrida por um obeso?

Quantos sintomas ainda temos de descobrir e que são causados pela obesidade?

A quem perguntar por tais sintomas e em quem pesquisar a obesidade, se não para os próprios obesos e nos próprios obesos?

Afinal, leigo ou profissional da saúde. Você sabe rigorosamente tudo sobre a obesidade a ponto de afirmar que é capaz de tratar definitivamente um obeso, fazendo-o tornar-se esbelto? Por favor, não minta! De promessa de milagres e de propagandas enganosas estamos plenos e satisfeitos!

APENAS UMA ADVERTÊNCIA SOBRE O TRATAMENTO DA OBESIDADE

Está por ser descoberto o tratamento para as obesidades. Até porque, como já tivemos oportunidade de tocar neste assunto, não existe uma e uma só obesidade tratável. Não existe um e apenas um obeso, nem tampouco todos os obesos iguais, para serem igualmente tratados.

Várias, no entanto, foram as modalidades propostas para manuseio e controle da obesidade. E a cada dia brota pelo menos mais uma. Daí, existirem tratamentos. Muitos. Motivo pelo qual não existe um. Um definitivo. Um absoluto. Até porque, como cremos e defendemos a idéia, existem obesos. Vários. Não apenas um. Nem todos iguais. Existem obesidades. Várias. Não apenas uma. Não todas iguais.

Desta forma, todas as modalidades de controle e tratamento para a obesidade que já foram colocadas à disposição, simplesmente não passaram de mais uma. Com uma agravante: muitos dos “tratamentos”, todos sabem, sejamos claros e honestos, já nasceram como falácias, como ilusões, como modismos, como atitudes ostentativas, como sintomas de riqueza, como propagandas enganosas.

Assim como não existe uma verdade, A Verdade ou a verdade absoluta, não existe o tratamento único, definitivo e absoluto. Nem tampouco a obesidade totalmente esclarecida e encerrada num compartimento qualquer do conhecimento disciplinar. E mais: como a obesidade é, mais do que uma doença complexa, um fenômeno na abrangência do humano, repleto de mistérios e segredos, torna-se necessário, para desvendar-lhe os mistérios e segredos, ou seja, para conhecê-la, obter-se e aplicar uma metodologia de pesquisa e de estudo que contemple essa sua natureza. Metodologia, esta, que juntamente com a própria obesidade, ainda está por ser conquistada, dominada e colocada em uso.

Ocorre, que sobre a realidade obesidade, e de modo importante no setor medico da realidade, pairam mais mistérios, segredos e desconhecimentos, do que dados aclarados e conhecimentos. Desta forma, nem mesmo tentando andar pelo plexo das disciplinas já existentes, nem mesmo considerando a possibilidade de andar-se por dentro dessas disciplinas, ou seja, nem mesmo tentando equilibrar-se nos terrenos irregulares das multi, pluri, inter ou transdiciplinaridade, poder-se-á desvelar, iluminar e descobrir o que precisa ser desvelado, iluminado e descoberto, para que possamos conquistar uma abordagem melhor da obesidade.

Tudo, absolutamente tudo o que está encerrado dentro de cada disciplina do saber humano, e tudo o que puder resultar da mistura dos conteúdos de todas as disciplinas, simplesmente estará dentro da orla do cognoscível. E com isso nós, os humanos, já fizemos tudo o que nos era possível fazer. Confesso que não espero nenhuma vitória, não espero nenhum aumento de conhecimento, com a colocação da totalidade de conhecimentos acumulados e conhecedores formados, dentro de uma grande centrífuga. O que sair daí poderá, como querem, ser até chamado de transdiciplinaridade. Mas, e daí? O que, de novo, pode sair da centrifugação do velho?

O único caminho que nos resta, se quisermos aumentar nosso conhecimento sobre tudo, inclusive sobre a obesidade, é conseguirmos um jeito de caminharmos pelo território dos mistérios. É caminharmos pelo âmbito do incognoscível, do inefável, do inominado.

Enfim, coragem para andar no escuro, ousadia para passear pelas trevas e até mesmo uma pitada de arrogância para pretender encontrar e nomear o inefável, é o que se faz necessário para irmos além do que já temos sobre a obesidade.

Os obesos, simplesmente porque humanos que sofrem, precisam dessa coragem e merecem tal ousadia. Precisam doar-se, é certo. Pois, apenas mediante tal doação poder-se-á conhecer algum aspecto novo da verdade. Verdade que eles são: obesos.

Epidemia e dificuldades

Porque doença epidêmica, a obesidade precisa ser considerada tanto em sua unidade plural quanto em sua pluralidade individual.

Não podemos negar, e insisto nisso, que se trata de coisa fácil, muito fácil, falar sobre a obesidade. Com maior ou menor familiaridade sobre o assunto, todos têm seus discursos prontos sobre a obesidade. Todos têm um palpite para ser dado na vida de um e qualquer obeso. E diante da atual porosidade do real, facilitando com que os setores leigos e científicos se comuniquem através da mídia, quase não se pode distinguir entre o que é pop do que é científico no terreno da obesidade.

Assim, a obesidade, embora doença e doença epidêmica, que coloca a vida das pessoas sob a sombra da morte, mais do que entificada e coisificada, mais do que generalizada e exposta ao falatório do cotidiano, foi banalizada. A ponto de tornar-se assunto de conversas até mesmo em mesas fartas de refeições. Chegando-se ao extremo de tornar-se assunto até mesmo de obesos que têm em seus talheres, levando à boca, quantidades fartas de massas, doces, sorvetes e pratos mal dimensionados do ponto de vista nutricional.

Em certos rincões do mundo, e o nosso rincão brasileiro é o exemplo mais vibrante dessa situação, o combate à pobreza colocou à mesa dos anteriores mal nutridos e famintos, comestíveis antes ausentes da existência e da dieta dos mesmos. Não colocou nessa mesma mesa, lamentavelmente, o conhecimento e a cultura necessária para o surgimento da saúde onde hoje brota, epidêmica e desmesuradamente, a doença obesidade.

Numa época em que o consumo atinge proporções superlativas; em que o acúmulo em geral atinge dimensões planetáres; em que a individualidade determina o tipo de relacionamento entre as pessoas e as coisas; em que as pessoas vêem-se no direito de serem o que bem entenderem e de existirem como bem entenderem, a obesidade, dentro do paradigma existencial contemporâneo, posterior à pós-modernidade, revela-se como sendo uma doença própria de uma civilização. A doença dos exageros.

Podemos classificar a obesidade como doença dos exageros, não apenas porque a obesidade ameaça de morte parcelas cada vez maiores da população mundial. Mas, até porque são fartas, desmesuradas e não menos ameaçadoras, as propostas de tratamentos e terapias. São incontáveis as promessas e frustrações. São descaradas as mentiras.

Em função das frustrações coletivas relativamente à falha dos tratamentos individuais, hipertrofiou-se no âmbito das populações o descrédito nas práticas medicas oficiais. Na verdade, porém, avolumaram-se os receios, até mesmo oficiais, devido aos efeitos colaterais, deletérios e nefastos, das químicas, naturais ou sintéticas, utilizadas para o controle da obesidade.

Enfim, vivemos atualmente desde e em circunstâncias jamais experimentadas pelos humanos. Circunstâncias engendradoras de várias doenças, entre as quais, a obesidade. Doença para a qual não temos uma, e uma definitiva, solução. Doença que, para ser dominada, controlada e tratada, necessita não apenas de remédios. Não apenas de ginásticas em academias da moda. Não de promessas de milagres e de perda de peso em poucos dias ou semanas. Mas, de mudanças profundas no modo de existir dos humanos. Além de mudanças radicais na postura a ser assumida quando diante, não da obesidade. Mas, quando diante de um(a) obeso(a).

Hoje, deve ser entendida como desrespeitosa, verdadeiramente agressiva, a notícia da descoberta de mais uma penácea para a redução do peso de um humano. Passa ser deplorável a falta de escrúpulos relativamente à promessa de cura da obesidade mediante a última descoberta. Pior quando, além da promessa, acrescenta-se o fato da “nova técnica”, ou “novo remédio” ainda não estarem totalmente testados. Passa a ser trágico o lançamento precoce de remédios que prometem a cura ou a redução de peso, sobretudo em curto espaço de tempo.

Como afirmei linhas atrás, e persisto, é fácil falar sobre a obesidade. É fácil publicar números alarmantes. É fácil classificá-la como doença epidêmica. É fácil, até mesmo, conversar sobre a obesidade com um obeso.

Aliás, os próprios obesos adoram falar sobre a obesidade. Afinal, quem mais sabe sobre a obesidade do que um obeso? Eles sempre estarão argumentando melhor. Sempre ganharão qualquer tipo de discussão. E onde o poder ainda é desejável… o que mais pode desejar uma pessoa do que mostrar-se poderosa por estar, ela mesma, sob a luz da ribalta ? Ou por ser, ela mesma, a concretude existencial, a verdade aparente, daquilo sobre o qual se fala. No caso, um obeso?

Talvez, mas como tenho sentido e visto, o que um obeso menos aprecie, é ser visto e ouvido com interesse, amizade e humildade. Porém, é tudo de que precisamos. Precisamos ouvi-los intencionadamente, interessadamente, amigavelmente e humildemente. Pois, precisamos aprender, deles e com eles, o que é ser obeso e do que é feita a doença deles.

Os obesos são, portanto, a única porta entreaberta pela qual devemos entrar se quisermos sair do estancamento cognitivo e do cerceamento mental em que nos encontramos relativamente à obesidade.

Difícil, todavia, missão quase impossível, é permanecer diante da abertura, sabendo-se e sentindo-se ignorante com relação ao que está escondido atrás do que está sendo visto.

Difícil, quando diante de um obeso real, concreto e verdadeiro, é manter-se na intenção de entendê-lo para fazê-lo trocar de morada. Em outras palavras: difícil é demovê-lo da idéia de manter-se residente na obesidade em que mora. Difícil é fazer com que um obeso abandone seu mundo de obeso, seu mundo doente e adoecedor, para morar num mundo dominado pela higidez e pela boa saúde.

Difícil, asseguro, não é apenas fazer com que o obeso modifique suas posturas cotidianas diante do real, da comida e dos confortos da contemporaneidade.

Difícil é fazer com que os não obesos, os magros, os esbeltos ou os normais, profissionais da saúde e leigos, modifiquem suas posturas hipócritas, paternalistas e nefastas quando diante dos obesos. Modifiquem, enfim, suas posturas baseadas em conceitos antigos e improdutivos, ou seja, preconceitos sobre a obesidade. Postura que mais não fez do que encerrar o profissional — e as pessoas em geral — dentro de caixas repletas de teorias antigas, pressupostos caducos, mistérios e segredos, para deixar abandonado e solitário o obeso real à sua frente.

Difícil, mas que obrigatoriamente precisa ser feito, é colocar um obeso consciente de sua condição de doente. E isso não se dá com o simples calculo do IMC ou na imediatez do diagnóstico. Muitas vezes passam-se meses e anos para que, como se diz popularmente, a ficha caia. Necessita-se de tempo, muito tempo, para que um obeso seja o que é (obeso) não apenas no corpo. Mas, na mente e em nível consciente.

Difícil é aceitar que um obeso possa querer manter-se obeso. Difícil é aceitar o diferente. Difícil é aceitar o desejo do outro. Difícil é defender o direito de escolha do outro.

Apenas depois disso, ou seja, somente depois do conhecimento dos obstáculos e das facilidades particulares de cada obeso relativamente à aceitação do diagnóstico, e à conscientização de sua necessidade de tratamento, é que pode-se começar a pensar na colocação do obeso sob tratamento específico para sua doença. Antes disso é perda de discurso, é jogar conversa fora, é queimar cartuchos, é desperdício de tempo, é frustração.

Nunca se esqueçam que o que um obeso mais sabe fazer é começar. Com facilidade um obeso começa a comer. Com muita dificuldade, ou jamais, um obeso abandona o ato de comer. Sugerir a um obeso que pare de comer equivale a ordenar que ele “pare de ser obeso”. E isto funciona como se um exorcista lhe colocasse um crucifixo à frente, ou seja: atiça a ira do demônio. E já demonstraram: obesos são humanos especialmente hábeis em fazer de conta que nada comem e que estão profundamente comprometidos com alguma forma de tratamento para redução de peso.

Um outro aspecto de fundamental importância relativamente ao tratamento de obesos refere-se à perda de peso. A perda ou redução do peso de um obeso deve passar a ser entendida, ao contrário do que vinha sendo considerado até agora, como mera consequência do tratamento da obesidade. Pois, trata-se de uma visão míope e preconceituosa da realidade, pressupor que a doença obesidade possa ser reduzida apenas e tão somente a uma questão de mais ou menos massa e/ou peso corporal.

A obesidade, hoje sabemos, é uma doença de abrangência e profundidade ainda não identificadas na sua totalidade. Tipicamente complexa, a obesidade é uma doença formada por uma multiplicidade de elementos, todos em interação, que se manifestam através de variada sintomatologia e culmina com a formação de um estado mórbido total, de difícil reversão, com produção de outras doenças de elevada gravidade, chegando à geração de altos índices de mortalidade, inclusive por conta dos tratamentos ora em vigência.

Então, se nossa intenção neste momento era de considerar o aspecto epidêmico do fenômeno da obesidade e entrar em contato corajosamente com algumas das dificuldades implicadas no relacionamento com os obesos, consideremos que a obesidade também é uma entidade que adota feições epocais, atuais e contemporâneas. Daí a necessidade de enxergarmos a obesidade através de um olhar novo, mais apropriado para enxergar-se a realidade atual, em parte e no todo.

Mediante esse novo olhar, então, capturamos a obesidade não apenas dentro do consumismo, como já fizemos anteriormente. Mas, como algo presente no mundo dos homens também instigada e mantida pela impulsividade dominadora das ações dos humanos contemporâneos.

Obesidade e impulsividade

Sendo sincero, sugiro que considerem a totalidade deste artigo apenas e tão somente como um preâmbulo. Tenham-no como sendo apenas uma aproximação do tema. E já que estamos no mundo da obesidade, considerem-no apenas como um aperitivo. Pois, a refeição, ou seja, aquilo que está por vir para ser deglutido e digerido por todos, relativamente à real e concreta experiência existencial de ser-obeso, muito mais do que os conhecimentos já havidos e acumulados sobre a obesidade, é coisa grande e densa.

Clareza e cautela, no entanto, não farão mal a ninguém. Nem aqui, entre nós. Muito menos no trato direto com os obesos. Não me surpreenderia se, num futuro imprevisível e imponderável, os obesos passarem a ser considerados, dos humanos, os mais saudáveis. E a obesidade viesse a ser, das coisas dos homens, a mais valiosa e desejada. Afinal, se alguma certeza podemos ter sobre tudo, é que a verdade, entre os humanos, além de relativa em tempo mundano e presente, epocal numa atemporalidade cósmico.

Por esse motivo, não devemos jogar todas as nossas fichas num jogo, numa luta ou numa aposta presente contra a obesidade. Compaixão e parcimônia, solidariedade e sobriedade, serenidade e segurança, devem estar sempre presentes no trato com os obesos. Deve-se aplaudir e jamais negar ajuda ao obeso que assim solicitar. Contudo, a introdução de um obeso em um regime de tratamento e a introdução de um tratamento num obeso, seja qual for o tipor de tratamento e o perfil do obeso, deve obedecer ao mais estrito critério de respeito e responsabilidade. E embora a decisão final de se tratar caiba exclusivamente ao próprio obeso, a indicação do tratamento e o momento de se colocar um obeso em tratamento deve ser assumida responsavelmente por todos os envolvidos no processo de atendimento à saúde do obeso.

Colocar-me humildemente à disposição dos obesos para descobrir, junto com ele e com quem estiver fazendo parte do processo inicial de ajuda, o momento mais plausível para a sua colocação em regime de tratamento é tarefa fundamental, embasadora e responsável pela eficácia do tratamento a ser realizado. Afinal, para se tratar alguma coisa, sobretudo uma coisa tão complexa quanto a obesidade, há de se conhecê-la muito bem previamente.

Como já afirmei, reluto em aceitar que o tratamento da obesidade deva ser imediatista e restringir-se preconceituosamente apenas à diminuição do peso e do IMC. Portanto, aqui, como em muitas outras situações, pensar bem antes de agir e atuar com consciência de que ter-se-á de responder no futuro pelas atitudes tomadas num presente, é melhor do que agir por impulso, impensada e irresponsavelmente.

Assim, por não ser não ser dono da Verdade, por não ser preconceituoso e muito menos presunçoso, não dou apoio nem sustentação à idéia de que todo e qualquer obeso deva ser introduzido imediatamente em qualquer tipo de tratamento. Assim, desestimulo e repudio todo e qualquer imediatismo quando se trata de dar início ao tratamento de um obeso.

Preconceito e pressuposição, pressa e ansiedade, imediatismo e impulsividade, são condições que não devem dominar, nem sequer estar presentes, no clima que anima uma relação com um obeso.

Consideremos, então, que grande parte das atitudes praticadas na atualidade, conforme inclusive estão demonstrando as mentes preclaras do momento, estão sendo realizadas impulsivamente.

Por impulso, hoje, se faz tudo. E tudo o que se faz, hoje, é comprar, adquirir, consumir e acumular.

Por impulso se compram milagres e lugares num paraíso. Por impulso se compram tratamentos. Por impulso se clica o botão que conecta alguém, através do computador, com outra pessoa ou com alguma coisa. Por impulso se aperta a tecla “delete” e se finaliza uma conexão. Por impulso pessoas se conectam a pessoas e a coisas do mesmo modo que se desconectam de pessoas e de coisas. Por impulso pessoas realizam o sexo imediatista, fugaz e rapidamente esquecido. Por impulso as pessoas consultam-se com vários médicos, da mesma forma que, por impulso, aconselham-se com a vizinha, orientam-se com a mulher mais próxima no salão de beleza, ouvem cartomantes e mães de santo, entregam-se à mais variadas formas de terapias, ingerem qualquer chá e por aí vai. Por impulso os humanos se tornam obesos. Por impulso os obesos entram e saem de tratamentos.

A atitude impulsiva, e isto precisa vir à tona com toda clareza, é antítese da atitude responsável.

Onde vai dar essa atual modalidade de existência dominada pela impulsividade ninguém é capaz de prever. E embora se constitua num vício a ser superado afirmar-se que antes tudo era melhor que agora, parece que os humanos, de modo geral, não estão se considerando mais felizes hoje do que foram ontem e poderão ser amanhã. Parece até que felicidade é predicado que não se conjuga em tempo presente. E se fôr, a que espécie de felicidade pode conduzir a impulsividade.

Ora, se considerarmos o que os obesos já mostraram a presença marcante da impulsividade em seus comportamentos, tanto relativos ao ato de comer quanto relativos à entrada em regime de tratamento, com subsequente e frequente abandono do mesmo, tudo o que podemos esperar, se mantida e aprimorada a impulsividade, são progressões da obesidade com adoecimentos mais graves e mais profundos.

Não há, pois, motivos para se esperar, sem ações responsáveis, alguma ou qualquer modificação no panorama epidemicamente planetário da obesidade. Espere-se, sim, sofrimentos mais atrozes. Esperem-se frustrações maiores e decaimentos mais profundos da auto-estima. Esperem-se tratamentos cada vez mais agressivos e desastrosos. Espere-se maior gasto público com a obesidade propriamente dita e com as decorrências e desdobramentos da obesidade. Espere-se mortes precoces cada dia com maior frequência. Esperem-se tragédias.

E não se esqueçam: esperem enriquecimento dos que lucram com a credibilidade, com a ignorância, com os preconceitos, com os pressupostos, com a pressa, com a impulsividade, com os sonhos, com as ilusões, com as promessas, com os milagres, com as mentiras etc…

Finalizando

Entre a geração, a produção e o surgimento da obesidade, ou seja, para que uma pessoa venha a ser, ou seja obesa, decorre um tempo. Ser obeso, por conseguinte, não é apenas uma questão de ocupação maior ou menor de espaço. Ser obeso é uma questão de tempo.

Muitas vezes temporalidade de uma obesidade começa na infância. Ou, como ouso dizer, começa na concepção, evolui ocultamente na vida intra-utero, e começa a se manifestar, insidiosa e pouco ruidosamente, no seio da família, por investimento da família e sob custeio da família.

Entre a obesidade iniciada e a constatação da obesidade construída, também decorre um tempo. Em outros termos: entre a obesidade vivida e experimentada existencialmente e a percepção de que se é obeso, decorre um tempo.

Entre a percepção de que se é obeso e o entendimento de que a obesidade não abandonará a pessoa milagrosamente, ou seja, entre a percepção de que se é obeso e a aceitação de que se é obeso, decorre um tempo.

Entre a aceitação de que se é obeso e as primeiras escaramuças relativamente ao domínio e controle da obesidade, decorre um tempo.

Entre as primeiras escaramuças e os tímidos e mínimos tratamentos para a obesidade, decorre um tempo.

Entre os mínimos tratamentos para a obesidade e as primeiras frustrações, decorre um tempo.

Entre as frustrações e a busca do diagnóstico e tratamento médico da obesidade decorre um tempo.

Entre um tratamento medico e o abandono desse tratamento médico, decorre um tempo.

De abandono em abandono de tratamentos, decorre um tempo. O tempo de engendramento, gestação e surgimento de outras doenças.

Do tempo de acúmulo, criação e aprofundamento de doenças advindas da obesidade, decorre o tempo usado pelo morrer, inerente à condição de mortal dos humanos.

A obesidade tem o seu tempo.

Até hoje, portanto durante muito e muito tempo, a obesidade foi entendida apenas e tão somente como uma questão relativa à ocupação e moldagem do espaço, medida pelo peso e pelo volume corporal de uma pessoa. Assim, entre a obesidade enquanto apenas mais ocupação de espaço e volume de uma pessoa e a obesidade enquanto doença, decorreu um tempo. Tempo mais do que milenar. Tempo cultural. Tempo civilizacional.

Mudar algo relativo a uma civilização inteira e à cultura humana, todos hão de concordar, é tarefa de difícil execução. Não é coisa para um, nem para dois, nem tampouco apenas para os médicos.

Acontece, que na atualidade e por conta justamente da evolução civilizacional e cultural da obesidade, o numero de obesos tornou-se enorme e a obesidade acabou transformando-se numa realidade fora de controle. E fora de controle não porque não tivemos e não temos meios para efetivamente controlá-la. Mas, porque sempre tivemos e ainda temos, para controlar a obesidade, ou simplesmente para acharmos que temos a obesidade sob controle, muitos meios, muitas técnicas, muita panacea, muita promessa, muita mentira, muitos interesses e muita pilantragem.

Modificar o panorama formatado pelo tempo de ser da obesidade, além da modificação do panorama referente ao espaço tomado pela obesidade, passou a ser tarefa que precisa ser considerada, pensada e realizada.

Para começar, então, entendendo que jamais tivemos, e ainda não temos, capacidade, nem meios, para controlarmos tudo. Quando muito, precisamos superar obstáculos para conseguirmos alguma vitória nas batalhas que nós mesmos criamos para nos ocupar delas, com maior ou menor intensidade, com maior ou menor premência e urgência. E a obesidade se encontra nessa categoria. Assim, nós precisamos, para interpretar a obesidade enquanto doença e para colocar os obesos sob tratamento, superar no mínimo quatro obstáculos relativos à temporalidade da obesidade.

Primeiro, o civilizacional. Primeiro, então, o conceitual. Porque são os conceitos que eternizam as coisas, que perenizam as idéias, que fixam tudo no cotidiano e que conferem atemporalidade a tudo. São os conceitos que nos fazem morar na idéia de que tudo sempre existiu, sempre foi assim e que nada há que se fazer para mudar.

Necessário se torna, então, alterar o conceito. E isto a medicina, de alguma forma, através de seus órgãos oficiais, embora ainda timidamente, está fazendo. A obesidade, segundo a concepção de uma elite da medicina, não pode mais ser entendida e manipulada apenas e tão somente enquanto uma questão estética ou de mera redução de peso. Obesidade é doença de elevada complexidade. Por conseguinte, a obesidade está passando, no setor medico da realidade, outra categoria lógica e conceitual.

Segundo, o obstáculo cultural. Aqui, devem ser consideradas criticamente as posturas que propiciaram as interações com os obesos de modo aparentemente carinhoso, jocoso, hilariante e sobretudo agressivo. Definitivamente devem ficar no passado o gordinho engraçado, a gordinha simpática, o rechonchudo, o bolacha, a fofinha, a cheinha, o balofo etc… Devem ser calados todos vivas aos gordos. E o beijo do gordo, aparentemente terno, candido e cálido, hoje deve ser entendido como pertencente ao mesmo nível lógico e ético do traiçoeiro beijo de Judas.

Terceiro, o obstáculo terapêutico. Já estamos fartos de saber: nem todo obeso é tratável por um mesmo e único método. Até porque, sejamos honestos, já sabemos das limitações terapêuticas de todos os tratamentos disponíveis. Inclusive relativamente às terapias cirúrgicas, mais radicais e agressivas. E mais: sabemos que não temos condições de atender e tratar, de modo correto e decente, todos os obesos. Haja vista as filas enormes de pessoas que esperam por cirurgias para tratamento da obesidade, e o numero enorme de pessoas que frequentam, sem obterem sucesso, ambulatórios aparentemente especializados para tratamento específico da obesidade.

Lamentavelmente, não dispomos de recursos para tratarmos compulsoriamente todos os obesos. Nem sequer se hipoteticamente — e apenas hipoteticamente — aceitarmos como válidas as ditas terapias alternativas ou naturais.

Queiramos ou não, gostemos ou não, precisamos de algum critério de seletividade para podermos dar início aos tratamentos de obesos. Precisamos de critérios, e meios, para fazer com que, aos obesos, seja dado o direito de se pronunciarem, com a devida clareza e responsabilidade, seus reais e verdadeiros interesses relativamente à entrada, submissão e manutenção de tratamentos.

Por princípio, então, devemos passar a entender que todas as pessoas que convivem de modo mais aproximado a um obeso deveriam conscientizar-se de que a obesidade é doença. Doença que precisa ser diagnosticada e tratada com seriedade e mais: sob responsabilidade compartilhada não apenas pelo medico e paciente. Nem sequer por equipes multiprofissionais fixas e previamente formadas. Mas, por uma equipe especial e especificamente montada com a finalidade de estudar cada caso e dar um destino, um rumo ou um sentido, para cada caso de obesidade. Equipe, esta, da qual devem fazer parte, as pessoas que, de modo mais intimo e intenso, convivem com um obeso.

O quarto obstáculo diz respeito a duas categorias hoje distintas de obesos. Os obesos mais abastados, moradores dos centros de riqueza das metrópoles, que frequentam clinicas e academias cinicamente, despudoradamente, fazendo de conta que estão tratando suas obesidades sem ruborizar, mentindo para si mesmos sem titubear e torpemente mantendo terceiros na ilusão de que estão cuidando de suas saúdes. E os obesos mais pobres, moradores nas periferias dos grandes centros, hoje não mais excluídos dos confortos da vida moderna, que também frequentam consultórios e ambulatórios de convênios, frequentam clinicas e academias para emagrecimento, não menos cinicamente, não menos despudoradamente, não menos mentirosamente, não menos torpemente, por imitação aos anteriores e também levando terceiros — inclusive médicos — à ilusão de que estão cuidando de suas saúdes.

Concluindo

A obesidade está sendo revisitada. Está passando por uma reavaliação criteriosa passando a ser considerada, definitivamente embora assim já o fosse, um doença.

De conformidade com as medições realizadas, a obesidade atinge proporções alarmantes, sendo que, mais preocupante do que a simples existência da obesidade, é o elevado índice de doenças decorrentes da obesidade e das mortes decorrentes diretamente da obesidade e das doenças que acarreta.

Ainda dentro do espectro fornecido pelas estatísticas, é pequeno o índice de sucessos relativamente aos tratamentos já colocados à disposição para que os obesos saiam de sua condição doentia. Haja vista a própria condição epidêmica da obesidade e as filas de espera que se formam nos ambulatórios para tratamentos clínicos e cirúrgicos da doença.

Do ponto de vista coletivo e populacional, existem muitos obstáculos a serem vencidos para que a obesidade deixe de figurar entre as patologias de maior importância no presente.

Do ponto de vista individual, existem ainda muitos obstáculos a serem superados para que um obeso inicie um tratamento, não o abandone e alcance algum sucesso. Daí a importância de se apurarem os metodos de estudo e de superação dos obstáculos de caráter individual, que apelam para uma atenção especial, personalizada e/ou customizada de cada obesoi em particular.

Cada obeso, concluindo, merece ser respeitosamente estudado e criteriosamente pensado, antes de ser colocado em regime de tratamento. Todo obeso tem de ter, mais do que apoio terapêutico medico, uma sustentação, digamos assim, sistêmica, de seu tratamento. Em outras palavras: cada obeso deve fazer parte de um grupo de pessoas — inclusive profissionais — que comprometer-se-ão em assumir, compartilhada e responsavelmente, a responsabilidade pela instituição e manutenção do tratamento do obeso em questão.

E quanto ao tratamento, que é o que todos querem, de preferência para ontem, fácil e rápido, conforme mencionei anteriormente, nada direi. Inclusive porque meu campo de ação tem, como limites, a recepção do obeso, a formação da equipe para estudar e pensar o obeso em apreço, a estipulação de um plano de tratamento e a entrega do obeso resoluto, pronto e responsável, inclusive contratual e monetariamente, cartorial e oficialmente, para um tratamento eticamente sério e responsável.

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A Terapia de Reposição Hormonal (TRH): nova visão

Denis Ferrari

(Texto publicado resumidamente no mês de outubro de 2011 no Jornal GranjaNews e na íntegra no site www.granjanews.com.br )

menopausa e climatério

Menopausa é o nome que se dá à ultima menstruação da vida de uma mulher.Climatério é o nome que se dá aos períodos anteriores e posteriores à menopausa. A ultima menstuação, para as brasileiras, ocorre em torno dos 53 anos de idade.

Registrem o seguinte:
Menarca é o nome que se dá à primeira menstruação e
costuma acontecer entre 9 e 16 anos
Menacme é o nome que se dá ao período fertil da
mulher, cujo início ocorre com a primeira
menstruação e finaliza com a menopausa.

A menopausa, sobretudo no novo continente, determinada por um estilo de vida dominado pelo consumo, pelo acúmulo de idéias, conceitos e coisas, pelas apostas no futuro, e pelo culto à jovialidade, foi considerada e de modo generalizado, como marco de entrada das mulheres numa fase de vida de franco declínio.

Uma vez nesta fase, ou seja no climatério pós-menopausa, as mulheres seriam vítimas de uma vertiginosa perda na qualidade de vida. E nada mais deveria ser esperado por elas além da desenergização e da improdutividade, da velhice, da senilidade e da propria espera: espera da morte.

Desde sempre e devido à condição humana, as marcas do tempo foram sentidas no corpo e ficaram estampadas na aparência de homens e mulheres. Tal fenômeno, tanto no setor leigo quanto no setor científico da realidade, foi interpretado como sendo um processo de escorregamento por um plano inclinado biológico e vital, existencial e social, determinado pela intromissão da morte dentro do curso da vida.

Para as ciências biológicas, de modo geral, tudo o que dá permissão à interferência da morte no curso da vida é tido como erro da natureza ou demonstração de falha dos deuses. Os divinos e criadores, ou o Divino e Criador, no final das contas, acabaram taxados de incompetentes por terem criado uma natureza imperfeita e largado, na Terra, os homens incompletos.

Assim, os humanos teriam como missão corrigir os erros da natureza e dotar os mortais de atributos divinos para dar-lhes a sonhada completude. Para isso, afinal, foi que os humanos inventaram as ciencias.

Para a ciência medica, em particular, tudo o que antecipa o morrer, tudo o que acarreta o morrer, ou simplesmente tudo que coloca o morrer visível no horizonte de um olhar vivo, é doença ou patologia. Como tal, deve ser tratado: manipulado e modificado, dominado e controlado. E tem mais. Deve ser prevenido mediante pensamentos, discursos e ações chamadas profiláticas.

De modo mais específico e para o que nos interessa neste artigo, assim como para uma ciência medica determinista e causalista, reducionista e cartesiana, a menopausa e o climatério são acontecimentos ou fenômenos decorrentes da diminuição dramática da produção de hormônios femininos (estrogênios e progesterona) pelos ovários.

Assim, concluindo provisionalmente, a menopausa seria o evento central de uma fase da vida feminina — o climatério — determinada por um erro da natureza, ou por uma inconsequencia divina, que aproximaria o morrer do existir vivo ou introduziria a morte no horizonte da vida.

Logo, erro da natureza e inconsequência divina, que deveriam ser sanados e corrigidos pelos humanos — porque doença ou patologia introdutoras da morte no curso da vida.

Erro da natureza e inabilidade divina, que impediriam os humanos de serem perenes, imortais e eternos, sem idades e sempre joviais, como os deuses.

O jeito, o modo, a maneira ou meio através da qual os humanos corrigiriam os erros da natureza e as consequências das falências divinas, que fariam com que as mulheres permanecessem sempre energizadas, joviais e belas, eternas e sem os sinais dos tempos, como os próprios deuses e as ninfas, consubstanciar-se-ia nas tecnicas mediante as quais os humanos ofereceriam hormônios às mulheres. Hormônios para repor aquilo que os deuses economizaram. Hormonios para resgatar o que a natureza retira das mulheres.

Simplificando: a técnica da Terapia de Reposição Hormonal (TRH).

A TRH

Da segunda metade dos anos 70 do século do conhecimento (sec XX), até o início dos 2000, aprofundaram-se e ampliaram-se conceitos, do mesmo modo que forjaram-se técnicas, sustentados por um um conjunto de idéias.

Desse conjunto ressaltamos:

1-A idéia de que poder-se-ia ter domínio sobre uma humanidade incompleta se comparada à divindade dos deuses.

2-A idéia de que poderíamos corrigir os erros advindos de uma evolução natural da vida.

3-A idéia de que poder-se-ia sustar os efeitos nefastos do tempo

4-A idéia de que  poder-se-ia promover uma desaceleração do curso da vida

5-A idéia de que poder-se-ia curar as doenças chamadas menopausa, climatério e velhice.

6-A idéia de que poderia erradicar-se, mediante atitudes preventivas e profilaticas, os efeitos desconfortáveis das doenças chamadas menopausa, climatério e velhice.

7-A idéia de que a fonte da juventude eterna teria sido encontrada.

Tais idéias, transformadas em promessas, foram conduzidas por meio da Tecnica de Terapia de reposição Hormonal e sob a qualidade quimica de medicamentos hormonais, para dentro das vidas, dos corpos e da existência das mulheres.

Uma vez aí, nas vidas, nos corpos e na existência das mulheres, as idéias concretizadas provocaram seus efeitos. Como sempre e em tudo, bons e maus efeitos. Com um detalhe: lá, no início de tudo, não se considerou o custo que teria de ser pago. Custo que poderia ser, conforme o sonhado e prometido, a juventude eterna plena de saúde, disposição, energia e beleza. Custo que poderia ser, conforme tudo o que não se sabia, tudo o que se ocultava e tudo o que apenas o tempo poderia colocar à mostra, ou seja: a conquista de mais ou novas doenças. E o trágico morrer devido às consequências não conhecidas e não avaliadas, pelo próprio uso da TRH.

Complementando, e considerando a necessidade epocal de dar o maior cunho de cientificidade possível às promessa e às ilusões, incluiu-se entre as benesses da milagrosa TRH, a promessa de diminuição da incidência de osteoporose com sua desagradável e onerosa consequência: a fratura patológica do colo do fêmur.

Assim, além da promessa da conquista da juventude eterna e a promessa da cessação dos desconfortáveis sintomas orgânicos, corporais e psicológicos, das mulheres climatéricas, a TRH trazia em seu bojo ainda mais promessas, a saber:

1-Além da promessa de realizar a prevenção de doenças tais como a osteoporose citada acima, a prevenção das doenças causas pelo depósito de placas de colesterol nas artérias (tromboses, infdartos e derrames).

2-A promessa de uma economia de milhões de dolares pelos governos, em função da prevenção e minimização (sonhada e prometida) das fraturas patológicas do colo do femur, da diminuição da incidência de doenças crônicas como a hipertensão e os desdobramentos mórbidos e onerosos relativamente aos infartos e derrames.

Considere-se, com relação a essa questão, que na introdução de um dos primeiros
estudos científicos sobre a osteoporose e sua relação com a hormonologia feminina, havia a citação de uma quantia em milhões de dólares gasto pelo governo dos EUA para o tratamento das fraturas patológicas do colo do femur. Tal quantia, seguindo os autores do artigo, poderia ser economizada se as mulheres passassem a fazer uso de medicações hormonais especificamente pertencentes à classe da TRH. Talvez tenha sido, esta, a primeira vez que, de modo absolutamente escancarado, considerou-se a gravidade de uma doença não pelo quanto ela colocava os humanos em sofrimento. Mas, pelo quanto ela onerava os cofres públicos.

Ocorre, que esta história não parou por aí.

Pois, para alavancar ainda mais a adesão de medicos e mulheres ao consumo de hormônios de modo irrestrito, compulsório e até mesmo irrefletido, ainda se levantaram mais promessas, tais como aquelas relativas à diminuição do acontecimento de doenças tais como as metabólicas (diminuição das taxas sanguineas de colestrol), as cardio–vasculares (infartos e tromboses), as pulmonares (tromboses pulmonar), neurológicas (acidente vascular cerebral ou derrame) e psiquiátricas (naquela época, a chamada demência senil, hoje Alzheimer).

A TRH, prometida quase místicamente como realizadora dos sonhos de juventude eterna das mulheres, efetivamente seduziu mulheres e médicos. E ganhou lugar de destaque não apenas no mundo medico/ginecológico. Mas, em toda sociedade de consumo. Sociedade que fez surgir em seu seio uma fartura de tecnicas, terapias e produtos, todos dentro da mesma e única tônica: apetrechar os humanos com recursos aparentemente capazes de dar nova aparência aos efeitos do tempo na totalidade da existência humana e na totalidade da existência de um humano. Enfim, dar novo sentido à existência das mulheres.

No caminho da TRH

Incentivados pelos movimentos dos anos 60, chamados de emancipação e liberação da mulher; entusiasmados com as conquistas femininas; felizes com o aparente sucesso das pilulas anticoncepcionais; inebriados pelas genéricas “conquistas da medicina”; e com os olhos fixos nas bolsas das mulheres — que passaram a carregar dinheiro além do pó de arroz, do lenço e do espelhinho —, os medicos e as mulheres passaram por uma reforma em suas parcerias. E viram-se colocados de mãos dadas para viajarem juntos por uma estrada aparentemente promissora. Viagem em cujo destino dar-se-ia, à semelhança daquilo que está prometido para ser deve ser encontrado no final do arco íris, o encontro do pote de ouro, a felicidade.

Contudo, tal viagem, que se dava na base do vento à favor, da maré mansa e sob um céu de brigadeiro, através de estradas ricamente pavimentadas da sociedade de consumo, sofreu um abalo.

Uma turbulência em 2002, verdadeiro terremoto seguido de maremoto com epicentro nos EUA, aconteceu no âmbito da TRH, ou seja: um ataque justamente no coração da cultura mais fortemente consumidora de promessas e créditos, de sonhos e ilusões. Tal tormenta deveu-se à revelação da suspensão de uma pesquisa que vinha sendo realizada pela WHI (Women’s Health Iniciative) relativamente aos efeitos da TRH. Tal pesquisa, iniciada em 1991, foi suspensa devido ao aumento gritante e significativo de cancer de mama nas pacientes que recebiam a TRH.

Por ela, mais do que desvelado, revelado, mostrado e iluminado, ficou reconhecido, autenticado e comprovado, um fato que, aos poucos, insidiosamente e silenciosamente, estava sendo gestado, engendrado e posto para nascer no campo da realidade. Mais especificamente na esfera da realidade Terapia de Reposição Hormonal (TRH). Localizada na realidade da existência feminina.

A pesquisa simplesmente comprovou, de modo científico, aquilo que já se observava empiricamente, apenas vivendo e olhando para a cotidianidade do existir humano. Cotidianidade da existência humana que, segundo se acreditava ingenuamente, estava seguindo um destino, uma rota ou um sentido, cujo final seria a conquista e ingresso numa paragem paradisíaca.

Aqui entre nós, brasileiros, onde jamais foi feita uma pesquisa nacional de profundidade para avaliar-se os efeitos da TRH, apenas observando-se a realidade, enxergava-se o mesmo fenômeno.
Cada dia com maior facilidade todos nós,
medicos e mulheres, passamos a escutar e a tomar conhecimento de um fato:
pacientes, vizinhas, amigas ou conhecidas, estavam realizando mais exames mamários, mais punções e biópsias mamárias e mais cirurgias mamárias.
Tudo por conta do câncer de mama.
Que dia a dia, ganhava mais visibilidade.

Infelizmente, todavia, a coisa não parou por aí. Porque comprovou-se que não apenas o cancer de mama havia conquistado um novo status. As doenças cardio-vasculares, tais como tromboses, infartos cardíacos e derrames, além do Alzheimer e do cancer de colo do utero, ganharam proeminência onde antes eram exceção. Até que, por fim, firmara-se como patologias ou doenças com ocorrência similar, quando não maior, comparativamente à ocorrência em humanos masculinos.

De 2002 a 2011

Quase dez anos se passaram.

Recentemente, para ser mais exato, em meados de setembro, num encontro de ginecologistas promovido pela North American Menopause Society (NAMS) em Washington D.C., a Terapia de Reposição Hormonal foi colocada novamente em questão. Só que, agora, da seguinte maneira:

A TRH é panacéia que resolve todos os problemas femininos relativos ao climatério ou é uma arma de destruição em massa ?

Respondendo à questão

1500 pessoas diretamente envolvidas com a TRH encontraram-se naquela oportunidade. Foi relatado que existem, lá nos EUA e não aqui, uma quantidade respeitável de opções de tratamentos, incluindo não apenas diferentes hormônios, fórmulas e combinações em comprimidos, injeções, adesivos, géis, aneis vaginais, cremes, sprays e supositórios, para suprir as necessidades terapêuticas dos médicos e pacientes.

Foi relatado, também, que parece não existir dúvidas quanto ao fato de que o aparecimento de doenças devido à instituição de uma TRH se dá em mulheres a partir dos 60 anos. Ou seja, decorridos 10 anos de climatério. Fase na qual os sintomas são mais severos e justamente época de maior interesse pela TRH.

Considerou-se, a par das desilusões, o fato de que, embora por tempo restrito, a TRH é capaz de colocar certas mulheres em estados efêmeros de conforto e bem estar. Uma vez que certas medicações parecem ser bastante efetivas no combate às ondas de calor (fogachos), a modificações de humor, irritabilidade e insônia. Considere-se, no entanto, que não se deve confundir conforto e bem estar com higidez ou com bom estado de saúde.

Certos hormônios que fazem parte da TRH parece terem efeitos “positivos” no que diz respeito à energização da mulher, bem como em seus estados de ânimo e aspectos relativos ao uso do intelecto e da razão.

Contudo, o que foi mais contundente foi a colocação da Dra Martha Stassimos (VA Northern California Health Care System). Ela deixou no ar uma outra pergunta: “se você tiver uma paciente que não consegue dormir por três noites seguidas por causa de calores e suores e se ela foi uma neurocirurgiã que opera logo cedo, você dirá, ou não, para ela tomar hormônios ?”

CONCLUSÃO

As avaliações realizadas relativamente à TRH parecem colocar em evidência os seguintes fatos.

Lá no início, quando começou-se a considerar o climatério como doença endocrinológica para ser combatida e prevenida, tomava-se por base a ideia de que o climatério era uma entidade nosológica unica, cuja pluralidade e multiplicidade de sintomas poderia ser controlada mediante uma única maneira de se olhar para ela e de se posicionar diante dela.

Atualmente, as pesquisas tendem a considerar os sintomas individualizada e isoladamente, enquanto os tratamentos preconizados e realizados se pulverizam na medida do predominio de um ou outro sintoma.

Entretanto, na medida em que tal postura acontece, também passa a ser considerável e preocupante, a somatória dos efeitos colaterais produzidos por cada um dos tratamentos isolados realizados para sintomas individualizados.

Daí, o aparecimento e a presença, cada dia mais marcante, de medicações anteriormente estranhas ao repertório do ginecologista. Medicações, por exemplo, do tipo de fármacos de ação no sistema nervoso central para o combate às alterações do humor, da irritabilidade e da depressão. Fármacos que, na verdade, deveriam ser apenas e tão somente prescritos e controlados pelos profissionais que têm maior experiência em seu uso. Pôsto que são estes que lidam direta e cotidianamente com os estados mentais e suas variações ou alterações. Coisa, portanto, da esfera da psiquiatria e dos psiquiatras.

Como todos sabem, alguns “remédios” chamados de fitoterápicos são fartamente utilizados para o controle dos sintomas climatéricos. Sem, todavia, passarem pelo crivo das avaliações metodológicas das ciências. Logo, sem poder-se avaliar a amplitude do uso dos mesmos, por não podermos saber, com o rigor necessário, a distância entre dose terapêutica e dose provocadora de efeitos colaterais, intoxicação e morte.

Quanto a este tópico, prevalece a idéia de que, “se não faz bem, mal também não faz”. Idéia francamente falaciosa, uma vez que até a água, aparentemente inofensiva, se ingerida em grandes quantidades provoca uma crise metabólica que pode levar à morte.

Fato é que, para finalizar, considerando-se o estilo de vida estressante que estamos tendo, sem que as pessoas tenham suas atenções voltadas para as questões relativas à saúde, mantendo um excessivo ganho de peso mediante dietas cada dia mais comprometedoras da saúde, afastadas de exercícios físicos, fazendo uso de medicações diversas para manterem-se em algum grau mínimo de conforto e produtividade, o que mais se pode esperar é nada mais nada menos que uma somatória de efeitos que, mais dia menos dia, vêm à tona devido aos comportamentos adotados.

E se a estes comportamentos acrescentarmos o uso de hormônios de modo rotineiro, compulsivo e impensado, conforme foi proposto pela TRH, o que poderemos esperar se não uma somatória assustadora dos esfeitos colaterais produzidos por cada remédio em particular, que foi ingerido desde a infância até o climatério ?

REFLEXÕES PÓS-CONCLUSIONAIS

1- Quanto à fonte da juventude eterna… Sinceramente…, eu estou preferindo a sabedoria proveniente do atingimento da maturidade.

2- Tenham todos um bom outubro. Mês dedicado às reflexões sobre o cancer de mama. Doença que hoje acomete uma entre oito mulheres no Brasil. Doença dependente da ação de hormônios. Inclusive os hormônios das pílulas anticoncepcionais e da TRH.

3- E aí, então, as pacientes me perguntam: Dr Denis, se não é conveniente eu ficar tomando hormônios, ou seja, as minhas pílulas anticoncepcionais, porque interagem com o cigarro que fumo e com a obesidade que tenho, de modo a colocar-me numa condição de risco de vida para o futuro, ou risco de desenvolver com mais facilidade um diabetes ou uma hipertensão, ou ter uma trombose, um infarto ou um derrame, como faço para ter uma vida sexual saudável e plena, sem correr o risco de engravidar ?

4- Lamento, digo eu. Acrescento: peço perdão por pertencer à geração que criou este mundo que lhe foi fornecido para existir. Mas, estou a sua disposição para reinventarmos a vida, e descobrimos juntos um novo modo de existir. Não fujo da minha responsabilidade. E tenho certeza que conseguiremos fazer um outro mundo. Melhor. Para nele morarmos juntos, lado a lado, rodeados por humanos, também melhores. Menos corruptos. Menos ávidos por dinheiro. Mais respeitadores da vida, própria e dos outros.

Até o próximo mês.

Aceito sugestões de assuntos para pensar e para escrever.

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O inverno e os idosos

Segundo o senso comum, devemos adquirir e acumular bens durante a “fase produtiva” para termos uma boa reserva na velhice. Todavia, devido ao declínio fisiológico natural acrescido do desgaste para realização desse ideal, poucos chegam à velhice com um estoque de saúde suficiente para viverem da maneira sonhada. Daí, experimentarem a velhice, de modo real e na maioria das vezes, dentro de circunstâncias dominadas pelas doenças.

Um dos fatores que confere aos jovens o arrojo necessário para a construção de seu império particular é a distância em que ele vive da morte. Para os jovens, até mesmo a distância entre a doença e a morte é muito grande. Por isso eles arriscam mais. Para os idosos, entretanto, a existência acontece apertada entre a vida e a morte. E ainda mais constrangida entre a doença e a morte. Por isso os idosos arriscam-se menos, têm necessidade de cuidarem-se mais e de serem mais bem cuidados.

As patologias cardiovasculares e cerebro-vasculares, puras ou como decorrência de outras doenças de base, como o diabetes, a hipertensão arterial e as doenças osteo-articulares (reumatismos), são as que mais acometem os idosos. Além, é claro, das diversas manifestações do câncer e das mais recentes conquistas humanas: o estress e o Alzheimer.

Uma doença aguda, de ocorrência sazonal (outono e inverno) e epidêmica, no entanto, franqueia anualmente o caminho dos idosos para a morte. A gripe, causada pelo virus Influenza, determina alterações que evoluem com facilidade para formas letais de pneumonia, broncopneumonia, meningites, encefalites e miocardite.

Portanto, deve-se ficar atento para identificar-se precocemente os seus sintomas: febre, tosse, dor de garganta, cansaço, calafrios, dores musculares e generalizadas, redução do apetite, desânimo, abatimento e perda de interesse pelas atividades rotineiras.

Embora possamos considerar os “avanços da Medicina”, o melhor remédio quando focalizamos a gripe é a prevenção. E esta, sem dúvida, passa pelas escolhas que fazemos na vida e pelos estilos de vida advindos dessas escolhas.

Escolhemos, por exemplo, viver aqui na Granja Viana porque entendemos que este lugar ofereceria condições para existirmos mais saudavelmente. Esta teria sido, sem dúvidas, uma das escolhas que fizemos para existirmos dentro de um estilo de vida saudável e protetor da nossa saúde.

Contudo, essa mesma escolha e pelos mesmos motivos para outras pessoas, pode acarretar dissabores e doenças. É o caso, por exemplo, dos efeitos do clima desta nossa região para certas pessoas.

São famosos os 3 a 4 graus a menos de tempertura ambiente quando comparados à cidade de São Paulo. E se tal meio ambiente fôr benéfico para as árvores, para os cachorros e para certas pessoas, não deve haver dúvidas quanto ao fato de que ele pode ser caracterizado com inóspito para outras pessoas. Sobretudo para as crianças e para os idosos.

Quando o assunto é gripe, ainda mais em um idoso, tenha sempre em mente: não espere pelo aparecimento de mais um sintoma. Apenas um é o bastante para tomar-se uma atitude. E a atitude correta a ser tomada, logo aos primeiros sintomas, é consultar um médico. Lembre-se: pequenas atitudes na hora certa são mais eficazes que atitudes heróicas em momentos dramáticos e trágicos.

Anote:

-Redobrar os cuidados nos casos de pessoas com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) — bronquite crônica, enfisema pulmonar.

-Conservar a casa bem arejada.

-Proteger o idoso da umidade e do môfo.

-Manter os aparelhos de ar condicionados revisados e limpos.

-Evitar aglomerações e o contato com pessoas gripadas.

-Lavar as mãos com frequência.

-Manter o idoso bem agasalhado e aquecido.

-Tomar sol antes das 10 hs e depois das 16 hs sempre com protetor solar.

-Alimentação e exercícios físicos adequados

-Cama. Porém, em boa medida. Porque a dificuldade para eliminar as secreções é maior e a perda de vitalidade sofrida pelo idoso é muito grande.

-O uso de Vitamina C e chás deve ser entendido como manifestações de carinho. Jamais como gestos propriamente defensivos contra as gripes.

-Ingerir líquidos, no mínimo 2 litros de água por dia. Para isso é que os chás servem.

-Evitar a automedicação e o consumo de remédios indicados pelos balconistas das farmácias e farmacêuticos. Sobretudo os antibióticos.

-Não utilizar as conhecidas gotas nasais para “desentupir o nariz”. Elas, inclusive podem agravar doenças já existentes.

-Manter as vias aéreas superiores livres de secreções, utilizando-se de lenços de papeis descartáveis.

-Não fumar

-Ficar atento às convocações para vacinação.

-E como não temos por aqui um serviço de atendimento hospitalar a nível de excelência, é bom que cada família tenha anotado em lugar bem visível e de fácil acesso, o nome e o telefone de um medico que também more e trabalhe por aqui. De preferência geriatra.

Obs: o presente artigo foi publicado com modificações na edição de julho da Revista Circuito

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A FALSA DOR MAMÁRIA

Dr Denis Ferrari

Um novo tipo de dor está colocando as mulheres em sofrimento. Elas dizem que se trata de uma dor mamária. Mas, enganam-se. Porque a dor, embora sentida na região mamária, não tem origem na mama. Nem sequer é manifestação de uma patologia propriamente mamária.

Duas entre três mulheres sentem dores mamárias nos dias que antecedem as menstruações. É a chamada mastodinia, mastalgia ou, como passaremos a chamar, “verdadeira dor mamária”. Isto porque, além de ser sentida em ambas mamas, ela têm origem nos próprios tecidos mamários e atinge o máximo nas proximidades do período menstrual.

Nos casos típicos de mastalgia basta um leve balanço das mamas para fazer com que a dor se manifeste de maneira evidadente e desagradável. Às vezes, são tão intensas a ponto das mulheres não suportarem o uso do soutien. Algumas mulheres não podem sequer andar de carro pela Avenida São Camilo, aqui na Granja Viana. Tamanha é a dor que sentem nas mamas devido ao balanço do automóvel em decorrência da péssima pavimentação da via.

Cresce, porém, o numero de mulheres que queixam-se de um certo tipo de dor que aparentemente, e apenas aparentemente, é mamária. E aqui também as aparências enganam. Porque ao examinar-se essas mulheres fica claro que a dor não provem da mama. Para entendermos este fenômeno há necessidade de um pocuo de conhecimento sobre a anatomia regional.

A mama, conforme pode ser observado no desenho abaixo, repousa sobre a parede torácica, formada por músculos (peitoral e intercostais), ossos (costelas), articulações e nervos. Eis os elementos causadores da falsa dor mamária. São espécies de câimbras, distenções e rupturas de fibras musculares, tendinites, nevralgias, manifestações reumáticas e fibromialgias, entre outras, as alterações que acarretam a falsa dor mamária ou, como corretamente deve ser chamada: dor retromamária.

Entre os fatores causadores das alterações que originam a dor retromamária encontramos os exercícios físicos, principalmente os que são realizados sem os devidos cuidados. São mulheres de vida sedentária que resolvem ter uma “vida saudáve” e entregam-se à prática de exercícios físicos sem os devidos preparos e sem uma orientação tecnica correta, profissional e responsável.

Mulheres que se dedicam a trabalhos aparentemente “tranquilos”, mas que se desenrolam sob fortes tensões (estresse), físicas ou emocionais, são particularmente susceptíveis. Estas situações são de mais difícil entendimento e contrôle, uma vez que tais tensões, não percebidas na rotina diária, acabam não sendo valorizadas.

Acrescentem-se, ainda, os infinitos tipos de vícios posturais adquiridos durante a vida. Sobretudo os que vêm sendo adquiridos por conta do uso dos computadores em circunstâncias estressantes. E não nos esqueçamos das mães de crianças que solicitam colo em demasia.

É fundamental fazer-se a distinção entre um tipo e outro de dor. E na maioria das vezes nem são necessários exames complementares (mamografia ou ultrassonografia mamária). Uma escuta atenta do relato da paciente, um interrogatório calmo e competente, um exame clínico realizado com tecnica correta e especializada, e a confiança recíproca entre medico e paciente, são elementos suficientes para identificar-se o problema e orientar-se a paciente.

Um ginecologista deve ser consultado assim que aparecer uma dor mamária. Cauteloso, ele examinará a paciente e observará se existem — ou não — sinais de traumatismos, infecções, inflamações, espessamentos, nódulos, caroços, cistos, tumores etc… Constatada a inexistência desses fatores indicativos de problemas mamários que também podem ser causadores de verdadeiras dores mamárias, ele deverá examinar a região retromamária (atrás das mamas) em busca de pontos dolororos. E estes são facilmente identificáveis. Basta pressionar de modo tecnicamente correto a parede torácica retromamária para evidenciar a origem da dor.

Não tente fazer uma palpação sozinha. Apertar uma região dolorida é como expremer uma espinha. Apenas agrava o problema. O tal do autoexame das mamas, já não recomendado desde 2003 pelo Ministerio da Saúde, poderá prejudicar ainda mais a situação.

Trata-se a dor retromamária com medicamentos apropriados para a patologia de base (muscular, óssea, artcular, reumática ou outras). Recomendo sessões de Fisioterapia com tecnicas especialmente desenvolvidas para esta patologia. RPG e Pilates Clínico, visando reformulação da postura corporal, têm sido de extrema valia. Um processo de neutralização ou cessação do estresse deve ser imediata e concomitantemente iniciado.

Neste caso, sugiro que se realize um trabalho específico, que consiste em auxiliar a paciente na realização de uma revisão dos interesses que determinaram — no passado — a escolha do seu estilo de vida atual. Estilo de vida atual que, no fundo, é o causador da dor e do sofrimento. Num primeiro momento, e de modo até que rápido, consegue-se a amenização da dor. Dá-se o passo do alívio. Mas, não é tudo. Para que a dor não volte (quando volta vem mais forte) ou para evitar-se o simples deslocamento para outro tipo de problema, ou seja, para que se adentre num processo consistente que coloque a pessoa em sofrimento no sentido da almejada melhoria da qualidade de vida, se faz necessária a busca e encontro de novos interesses. Com o trabalho de negativação das condições que deram origem ao problema e de concretização das possibilidades individuais, próprias e peculiares de cada um, que engendrarão um novo estilo de vida, um processo consistentemente modificador… para a real e verdadeira melhoria da qualidade de vida… se instaurará. De resto… experimentar a vida melhor.

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